sexta-feira, 30 de março de 2012

DEPOIS DE HORAS (1985)

"Depois de Horas" é aquele tipo de obra que te surpreende positivamente. Camuflado por um humor negro raso, o filme dirigido por Scorsese é muito mais do que aparenta ser. Sua premissa simples esconde uma crítica social pertinente à vida das grandes metrópoles. Não é a toa que a película ganhou uma Palma de Ouro por sua impagável direção.

Paul Hackett (interpretado pelo excelente Griffin Dunne de "Um Lobisomem Americano em Londres") é um programador de sistemas. Alienado por sua sistemática conduta diária, ele é acometido pela tediosa solidão de seu lar. Noite adentro, Hackett dirige-se a uma cafeteria próxima de seu apartamento, a fim de driblar o aborrecimento.

Acompanhado de seu livro de cabeceira, o programador de sistemas tem sua leitura interrompida pela estonteante Marcy (Rosanna Arquette). A doce e culta moça se interessa por Hackett devido o semelhante gosto por literatura. A reciproca torna-se verdadeira, e o rapaz dialoga com a agradável desconhecida. Ela lhe passa o número do telefone de sua amiga Kiki (Linda Fiorentino), uma artista plástica que confecciona objetos artesanais com papel de jornal.



A noite que parecia lhe oferecer uma picante aventura sexual, torna-se um verdadeiro pesadelo. Hackett não poderia imaginar que uma despretensiosa conversa poderia desencadear uma malograda série de imprevistos. 



Primeiro ele conhece a voluptuosa e desinibida artesã Kiki, que desprovida de pudor pede uma massagem ao visitante.  Em seguida Hackett é enfim recebido por Marcy, que o convida para ficar a sós em seu quarto. Contudo o protagonista passa a desconfiar da sanidade da moça, após ela desabafar e pedir amparo ao recém-conhecido. As lágrimas da moça que, tinha acabado de sair de um relacionamento amoroso, não são suficientes para saciar a libido do protagonista. Até que ele passa a supor que a loira tem partes do corpo deforme por queimaduras, após encontrar um livro de tratamento para esse tipo de ferimentos. Subitamente ele a abandona e desiste do encontro.



Decidido a voltar para casa, Hackett sequer tem dinheiro para pegar um metrô. Ele entra em um pequeno bar onde conhece Julie (Teri Garr), uma excêntrica e desiludida garçonete que trabalha para Tom (John Heard), um generoso barman paranoico por segurança. O caridoso proprietário do bar lhe oferece uma ajuda financeira em troca de um favor: pegar a chave do caixa emperrado, que está no apartamento dele.



Quando Hackett chega no edifício, o programador é acusado de ser o autor de uma série de furtos que assola a vizinhança à dias.  Foragido e longe de seu apartamento, ele é amparado por Julie, que acabara de se demitir. A moça suplica pela atenção do protagonista, mas é recebida com ironias e pequenas hostilidades. Estranhando o comportamento da moça, Hackett foge de uma companhia feminina pela segunda vez.



Suas fugas irresponsáveis acabam por trazer graves consequências. Se não bastasse as duas escapadas, Hackett conhece Gail (Catherine O´Hara), uma prestativa e insegura sorveteira que acidentemente o fere ao sair de um táxi. Empenhada a socorre-lo, a jovem insiste em convida-lo para entrar em sua casa, e ainda lhe oferece uma carona em sua caminhonete. Durante o trajeto para o veículo, Gail reconhece a caricatura de Hackett estampada em um cartaz colado pela vingativa Julie em um poste. O folheto acusa o programador de ser um perigoso marginal. Assustada, a sorveteira convoca os moradores da região para por fim a suposta carreira de gatuno.



Hackett torna-se um desamparado e perseguido andarilho noturno, que como os demais personagens que ele desprezou, precisa de atenção. E ele a encontra nos braços de uma mulher muito mais velha e menos atraente que as anteriores. Mas é tarde demais, pois sua hostilidade se materializou e o transformou em uma estátua de jornal, tão insignificante quanto os protagonistas impressos em suas notícias.

Pequena figuração de Martin Scorsese

A humanização que Dunne faz do protagonista é bastante eficaz, identificando o espectador com o personagem. Mesmo hiperbolizando a trama com situações cartunescas, Scorsese (que faz uma breve ponta no filme) arranca sua crítica social, já que os fatos desencadeados provem do mal trato dado à Hackett com os demais personagens. 



"Depois de Horas" aborda a individualização e o egoismo dos habitantes de uma metrópole, tal como Nova York, e sua relação hostil com as demais. Com uma impecável e enigmática trilha sonora original de Howard Shore, além das canções bem selecionadas para o filme (como Joni Mitchell, Bad Brains, Mozart), Scorsese traça sua visão de uma cidade acolhedora, mas também vingativa. Uma excelente obra que está entre as minhas favoritas do cineasta.


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