sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O SÉTIMO CONTINENTE (1989)


Por Carlos Larios
(contato@larioscine.com)

Positivamente ou não, a filmografia intimista de Haneke dificilmente passa despercebida.  Em seu primeiro grande filme chamado "O Sétimo Continente”, o cineasta já imprimia a contundência tão conhecida de sua obra. Os longos “takes”, aparentemente banais, mas com conteúdo latente, já faziam parte de seu estilo único de filmagem. Seja em cenas como uma menina alimentando seus peixes no aquário, ou uma mulher calçando chinelos logo ao acordar, nada é gratuito para o premiado diretor austríaco. São esses nuances que formaram o famigerado estilo que mescla poesia com realismo agressivo.

Antes de sua bem sucedida carreira como cineasta, Haneke graduou-se em filosofia. Por conta de sua visão crítica de mundo, os temas favoritos do austríaco sempre tiveram um mote intelectualizado, abordando temas idiossincráticos que podem ser facilmente discutidos em teses e trabalhos acadêmicos.


O pungente retrato familiar permeado pelo customizado cotidiano embala "O Sétimo Continente". Pai, mãe e filha são personagens metafóricos que Haneke explora com surpreendente frieza, tratando-os como meros robôs programados. Seus anseios ilustram a cruel realidade de uma sociedade pós-moderna, mergulhada cada vez mais no consumismo exacerbado, sem se dar conta dos reais valores da vida.



 Na trama Georg é um bem sucedido industrial que dedica seu tempo ao trabalho mecânico. Sua esposa Anna é uma dedicada dona de casa que, depois da morte de sua mãe, precisa lidar com os transtornos do irmão depressivo. Eva, a filha do casal, é uma menina recatada e de semblante triste. O dia-a-dia dos três é retratado em três anos e mostra pacientemente o caminho que será traçado para o inesquecível desfecho da trama.


 Quando a família destrói todos seus bens, logo o espectador passa a se sentir incomodado. Anna rasga fotos, Georg quebra o aquário e até a pequena Eva destrói seus brinquedos e livros. Nesse momento a agonia toma conta a cada marretada dada nos objetos da família. A TV e os móveis destruídos, o sofá e as roupas rasgadas e toda vida "perfeita" literalmente despedaçada, mexe com os sentimentos do espectador.



 Haneke incomoda, pois a simplória e pacata família suburbana, é o reflexo de uma sociedade corrompida pela superficialidade capitalista. Aqueles rituais mecânicos diariamente valorizados pelos personagens, não passam de um retrato fiel de nós mesmos. E olha que estamos assistindo a um filme com mais de 20 anos.



A abrupta e impulsiva destruição só é aliviada por uma paradisíaca imagem praieira, retratada em uma foto. O escapismo emanado do registro fotográfico é apenas um falso alívio para os problemas que permeiam o vazio existencial dos protagonistas. Um local inalcançável que utopicamente merece ser descoberto, tal como um “sétimo continente”. Haneke é genial.

0 comentários:

 

Blogroll

free counters

Minha lista de blogs