quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

99 FRANCOS (2007)

    Multidão em polvorosa aguarda o novo ícone cultural francês. O aeroporto Charles de Gaulle está lotado de repórteres, fotógrafos e fãs que foram ao local prestigiar o triunfante artista, dono de uma façanha jamais alcançada por outro conterrâneo. Quando ele surge no galpão de desembarque, dezenas de profissionais de comunicação se espremem, a fim de extrair informações do famigerado astro de meia idade. Simpático e sorridente, o responsável pelo tumulto exibe orgulhoso seu prêmio dourado, arriscando-se entre as centenas de flashes disparados, e os ruídos dissonantes clamando por entrevista. Jean Dujardin é oficialmente o novo "queridinho" francês. Suas caras e bocas estampam os principais do país. Jamais um ator francês ganhara um Oscar. E estamos falando de um país que exportou o talento de "monstros" sagrados do cinema como Gerard Depardieu, Jean Reno, Alain Delon, Jean Paul Belmondo, Yves Montand, Jean Gabin, Jean-Pierre Láud, Daniel Auteil, Michel Piccoli, entre outros.


   Dujardin sempre foi bem quisto em sua terra natal, com produções de sucesso em seu país. Ex integrante de um famoso grupo cômico francês, o recém oscarizado ator se notabilizou nos últimos anos em projetos de qualidade duvidosa. Com o também laureado no Oscar, Michel Hazanavicius, Dujardin trabalhou duas vezes antes de "O Artista". Fez séries de TV, interpretou o cowboy Lucky Luke das histórias de quadrinhos, e apareceu em outras produções menores. Bem afeiçoado, o galante astro demonstrou várias facetas, tornando-se um rosto conhecido entre os franceses. Seu talento limitava-se as fronteiras francesas, até maio de 2011, quando "O Artista" arrebatou a crítica mundial e recebeu entusiasmados elogios.


    Como grandes comediantes, Dujardin despertava dúvidas graças a suas interpretações hiperbólicas beirando ao caricato. Até que em 2007 ele virou o jogo na comédia dramática "99 Francos". No filme ele interpreta Octave Parango, um arrogante e bem sucedido publicitário de campanhas de sucesso. Sua existência é regada ao consumo de cocaína, e à ostentação. Subitamente ele é acometido pela carnalidade de um relacionamento com Sophie, uma lasciva funcionária da agência em que trabalha. Irresponsável, Octave termina sua relação com a bela moça, ao saber que ela esperava um bebê.



   Paralelo ao traumático fim de namoro, o publicitário também recebe um baque em sua vida profissional, ao ter sua campanha publicitária reprovada por uma famosa marca de iogurte (clara alusão a francesa Danone). Sua percepção quanto sua falta de humanidade só é aflorada após uma overdose de cocaína que sofrera em uma casa noturna. Após a experiência Octave decide tomar novos rumos para sua vida.



   A elegância e simpatia de Dujardin em "O Artista" é transfigurada em "99 Francos". O soberbo protagonistas da película é a caracterização da imoralidade. As facetas hiperbólicas de Dujardin também estão presentes nesse filme, mas de forma condizente ao andamento da trama, e muito bem empregadas pelo ator que equilibra o humor com a dramaticidade. Jan Kounen, diretor de "99 Francos", não limita-se em formas narrativas convencionais, e mistura computação gráfica, desenho animado, psicodelia, final surpreendente e fotografia exuberante, revezando cores fortes com o preto e branco. Uma película que pode soar pretensiosa, mas que convence em sua crítica dura a bilionária e mentirosa indústria da publicidade.



  Ante à estilização visual, "99 Francos" é um grande prova de que a última edição do Oscar prestigiou um grande e multifacetado ator. Seu futuro no mainstream ainda é incerto, sobretudo no que diz respeito a uma carreira internacional. Sabe-se, apenas, que seu reconhecimento na França redobrou, embora tenha perdido o "Cesar" (cerimônia de entrega de prêmios para a indústria cinematográfica francesa) de "melhor ator" ,  poucos dias antes de sua premiação na famigerada festa em Hollywood. Mesmo com 40 anos de idade, Dujardin pode repetir o feito de grandes astros franceses do passado, mas com o pioneirismo de ter alcançado o mérito mais alto da sétima arte, que é o Oscar.

Chegando em Paris (28 de fevereiro de 2012)

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Vencedores do Spirit Awards 2012

   
   Como de praxe na véspera da cerimônia do Oscar, acontece em Hollywood o Independent Spirit Awards. A festividade apresentada esse ano pelo comediante Seth Rogen, reúne atores, diretores e realizadores de filmes independentes. Nesse sábado (26 de fevereiro) foram revelados os vencedores de 2011. Confira a lista abaixo.

MELHOR FILME : O ARTISTA

MELHOR ATRIZ: MICHELLE WILLIAMS (SETE DIAS COM MARILYN)

MELHOR ATOR: JEAN DUJARDIN (O ARTISTA)

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE: SHAILENE WOODLEY (OS DESCENDENTES)

MELHOR ATOR COADJUVANTE: CHRISTOPHER PLUMMER (TODA FORMA DE AMOR)

MELHOR DIRETOR: MICHAEL HAZANAVICIUS (O ARTISTA)

MELHOR ROTEIRO: OS DESCENDENTES

MELHOR ROTEIRO DE ESTRÉIA: 50%

MELHOR FOTOGRAFIA: O ARTISTA


MELHOR FILME DE ESTRÉIA: MARGIN CALL - O DIA ANTES DO FIM

MELHOR FILME ESTRANGEIRO: A SEPARAÇÃO (IRÃ)

MELHOR DOCUMENTÁRIO: THE INTERRUPTERS




Confira alguns famosos que estiveram na cerimônia




Michelle Williams
 Kate Beckinsale
 Michael Shannon
Willem Dafoe


 John Waters
 Ed Helms
 Rashida Jones
John C.Reilly


Primórdios do cinema - Referências de "Hugo Cabret"


   Quem assistiu à "A Invenção de Hugo Cabret" no cinema, pôde prestigiar um dos mais geniais cineastas em atividade: Martin Scorsese. O diretor de "Taxi Driver" e "Os Bons Companheiros" é fundador da "The Film Foundation", instituição sem fins lucrativos, que preserva antigas películas.


   Tamanho afeto e dedicação para conservação de clássicos do passado é, enfim, retratado por Scorsese em "Hugo Cabret". O diretor abusa de técnicas tridimensionais impecáveis e didatismo cinéfilo para verdadeiros fãs da sétima arte. O filme mescla a tecnologia mais moderna empregada, com a magia dos primeiros filmes que remontam do fim do século XIX. Confira a lista de películas prestigiadas pelo cineasta americano em "A Invenção de Hugo Cabret", e uma linha do tempo sobre a história dos primeiros anos do cinema.



Corbett and Courtney Before the Kinetograph (1894)
   Um dos primeiros registros cinematográficos dos EUA. Na película de 1 minuto de duração, o embate entre James J.Corbett, percussor do boxe moderno e de seu rival Peter Courtney.

Dickson Experimental Sound Film (1894)
   Produzido por Thomas Edison, "Dickson Experimental Sound Film" é uma película de 17 segundos que registra homens dançando ao som de um violinista. O famoso inventor americano sincronizou o fonógrafo e o Kinetoscope, para criar o primeiro filme com som do cinema. Acredita-se que a imagem dos dois homens dançando seja o primeiro registro homossexual filmado.

28 de dezembro de 1895 - primeira sessão pública do Cinematógrafo em Paris

A Saída dos Operários da Fábrica Lumière (1895)
   A saída de funcionários da fábrica dos irmãos Lumière não é um dos registros mais interessantes, contudo o filme ganha grande apelo histórico por ser o primeiro a ser exibido para o público.

The Kiss (1896)
   Realizado pelo "Black Maria", estúdio de Thomas Edison, "The Kiss" é o registro de um dos beijos mais famosos do cinema, entre a viúva Jones e bigodudo Billie Bikes.

20 de fevereiro de 1896 - o cinematógrafo chega a Londres, lotando a sala de projeção do Empire Theatre com curiosos espectadores.

L'arrivée d'un train à La Ciotat (1896)
   O registro de um trem chegando à estação pode parecer bem simplório nos dias de hoje. Contudo a filmagem dos irmãos Lumiere arrebatou multidões assustadas, que por impulso se esquivavam do vagão em movimento. Em "Hugo Cabret", Scorsese simula esse famoso momento histórico do cinema.

29 de junho de 1896 - o cinematógrafo francês chega a Nova York, e é aclamado pelo público. Em seguida o protecionismo estadunidense rivaliza com os operadores Lumière. O presidente americano William McKinley incentiva a produção de projetores (acompanhadas do slogan "America for Americans"),  para suprir a demanda  de curiosos espectadores por todo o país.

Illusions fantasmagoriques (1898)
   Dirigido pelo ilusionista francês George Mélíès, "Illusions fantasmagoriques" é um grande truque de mágica independente de cabos e outras artimanhas. O filme foi um dos primeiros do famoso cineasta, a empregar os efeitos especiais no negativo da película.

L'homme à la tête en caoutchouc (1901)
   Mais um filme de George Mélíès, cineasta e ilusionista retratado em "A Invenção de Hugo Cabret". É o ator britânico Ben Kingsley que interpreta o famoso pioneiro dos efeitos especiais no cinema.

Viagem à Lua (1902)
   Um dos filmes mais icônicos dos primórdios do cinema, "Viagem à Lua" é retratado em "Hugo Cabret" como uma das poucas obras remanescentes do cineasta francês George Méliès, depois da Primeira Guerra Mundial. Na película de Scorsese, descobre-se posteriormente que, o filme é apenas um dos 80 que sobraram da vasta filmografia original do ilusionista.

Demais filmes de George Méliès, retratados em "Hugo Cabret"

La chrysalide et le papillon d'or (1903)

Le mélomane (1903)

Le royaume des fées (1903)


Le roi du maquillage (1904)

Les quatre cents farces du diable (1906)

20000 lieues sous les mers (1907)

À la conquête du pôle (1912)
E por fim o média metragem "À la conquête du pôle" de 33 minutos é um dos últimos filmes de Méliès.

O Grande Roubo do Trem (1903)
   Mais um filme que arrebatou a multidão, devido a cena em que o ladrão aponta o revólver em direção da câmera. "O Grande Roubo do Trem" tem 3 minutos de duração, e é considerado o primeiro faroeste do cinema.

Intolerância (1916)

O Gabinete do Dr. Caligari (1920)

O Garoto (1921)
Para Charles Chaplin, George Méliès era o "alquimista da luz".

Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse (1921)

Robin Hood (1922)

O Homem Mosca (1923)

O Ladrão de Bagdá (1924)

La fille de l'eau (1925)

A General (1926)


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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

SOLARIS (1972)

   Andrey Tarkovskiy era um dos cineastas que mais transgrediam a linha tênue entre o cinema e a filosofia. Suas películas são marcadas pela contemplação do indivíduo, dotado de lirismo e técnica impecável.
O diretor soviético é uma referência em ensino da linguagem cinematográfica, além de sua filmografia ser objeto de estudo e campo fértil para teses acadêmicas. Suas obras anticomerciais opunha-se a grandiloquência do cinema soviético que vingava durante a Guerra Fria. O espírito nacionalista da Mosfilm (maior produtora cinematográfica da URSS) consolidava-se como uma bandeira de que o socialismo vigente no período, ainda se preocupava com a arte e o espetáculo de suas produções.

   Foi o poderoso estúdio soviético, que em 1968 propôs à Tarkovskiy, a adaptação cinematográfica da obra literária "Solaris”, do consagrado escritor polonês Stanislaw Lem. A princípio o filme deveria ser uma ficção científica rica em efeitos especiais e história marcante. Ao invés disso, Tarkovskiy transformou "Solaris" em um complexo ensaio sobre o subconsciente humano, e a infindável ânsia da ciência pelo conhecimento.




   A premissa do filme conta a história de Kris Kelvin, renomado psicólogo, que é chamado a integrar a tripulação da estação espacial que orbita em Solaris. Depressivo pela perda de sua esposa, que morrera há dez anos, Kelvin contempla a natureza bucólica da fazenda de seu pai. Na véspera de sua partida para o centro de estudos espacial, o psicólogo recebe a visita de Henri Berton, um antigo comandante que já esteve no misterioso corpo celeste. Ele alerta Kelvin sobre os perigosos do planeta, mas o psicólogo o ironiza depreciando suas constatações.




   No dia seguinte Kelvin parte para a estação espacial, a fim de integrar a tripulação formada por três renomados cientistas. Quando chega ao local, o psicólogo é surpreendido por uma sucessão de acontecimentos insólitos. Ele descobre que um dos cientistas cometera suicídio, e começa a desconfiar da sanidade dos tripulantes remanescentes. Logo em seguida Kelvin presencia uma mulher caminhando pelos corredores da estação espacial.



Após despertar de seu primeiro sono na nave, o psicólogo descobre que a misteriosa presença feminina não era uma mera alucinação, mas a fiel reprodução de sua finada esposa chamada Hari. Os cientistas explicam à Kelvin que o oceano de Solaris sonda o cérebro e materializa o subconsciente humano, reproduzindo lembranças.




   O psicólogo passa a se relacionar com o clone extraterreno de sua antiga mulher, levando-o ao embate entre a razão e a emoção.  Sua relação com Hari é censurada pelos demais tripulantes, que o incentivam a livrar-se do ímpeto afetuoso que o acomete. Kelvin conclui que o autoconhecimento é o mais importante das descobertas, e que Solaris é a plausível simbologia de sua tese. O depressivo desfecho consolida a visão de Tarkovskiy em relação à humanidade, tal como é colocada em discussão durante um dos embates dos personagens onde um dos cientistas conclui que "o homem precisa de homem". A ilha recém-formada em Solaris, no término do filme, representa a transição psicológica do Kelvin, que se desvincula do atormento da perda de sua finada esposa, revelando sua dependência pela proteção paterna.



   Tal como os quadros de Bruegel expostos na biblioteca da estação espacial do filme, "Solaris" é pura arte. Com belíssima adaptação sonora de Eduard Artemyev para trilha de Johann Sebastian Bach, e deslumbrante fotografia de Vadim Yusov, Tarkovskiy mostrou ao mundo que a URSS estava intelectualmente ativa durante a Guerra Fria, independendo de suas ideologias políticas. 

Confira também:

Crítica de STALKER (1979)

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