"A Marca da Maldade" é uma película inovadora, dentro de diversos parâmetros cinematográficos. A começar pela sua impecável abertura, na qual o diretor e ator Orson Welles primou por um plano sequência de mais de três minutos. No início da película, a câmera acompanha, como uma personagem, os passos do mexicano Vargas (Charlton Heston) e de sua esposa, Susie (Janet Leigh) que se dirigem à fronteira entre México e EUA. No limite tênue da pátria, duas cidades são acometidas por um atentado que mata um poderoso empresário norte-americano, e sua amante striper.
Vargas é um policial de inflûencia em sua cidade, do lado mexicano da fronteira, que trabalha no segmento de narcóticos. Conhecido por sua integridade, mas odiado pelos marginais, como os da família Grandi. Após testemunhar o atentado na fronteira de seu país, Vargas divide o caso com o impiedoso Capitão Hank Quinlan (Orson Welles magistral) que é famoso pelas suas intuições, quase sempre corretas. Como o carro do crime foi explodido em território americano, Quinlan decide tomar à frente do caso, não se importando com o policial mexicano.
Logo com o impacto inicial da trama, Welles cativa o espectador, pelo ritmo elevado da trama. É como se a película inteira fosse o grande clímax do filme. Não à toa, considerado por muitos, o maior cineasta da história do cinema, Welles estigmatizou sua obsessão pela originalidade, em relação à parte técnica. Como em "Cidadão Kane", o cineasta americano optou por ângulos de câmera inusitados, tal qual o mencionado plano sequência de "A Marca da Maldade". Outro fragmento técnico desse filme, fica por conta da fotografia sombria que remonta a era de ouro dos "film-noir". A trilha sonora de Henry Mancini, banhada à jazz e música latina, participa da película como uma coadjuvante inquieta, pronta para ser revelada em uma cena chave.
Como se isso não fosse bastante, o roteiro é bem articulado pelo onipresente Orson Welles. Sua premissa, não se baseia apenas em uma história de mistério, mesclada à uma crítica à xenofobia estadunidense em relação aos seus vizinhos mexicanos. Seus personagens possuem uma carga emocional bastante trabalhada no enredo, cono na direção e realização dos atores. É o caso do segurança noturno do Motel Mirador (Dennis Weaver, aquele perseguido por um caminhão em "Encurralado" de Spielberg), que demonstra transtornos mentais óbvios, mesclado à uma ginofobia (medo de mulher) implícita pelo ator e pelo diretor.
E como não podia ser, o elenco cooperativo de "A Marca da Maldade", ajudou a eternizar figuras marcantes da sétima arte. Charlton Heston, no ápice de sua carreira, se propôs a fazer um bronzeamento artificial, e descarregar seu sotaque espanhol para interpretar seu Vargas. Janet Leigh, mostrou nesse filme "pré-psicose" (já que ela seria conhecida pela antológica cena do chuveiro), que era muito mais do que um rostinho bonito, e mulher do galã da época, Tony Curtis. Seu papel como Susie, a dedicada e forte esposa de Vargas, lhe rendeu méritos diante de grandes cineastas como Alfred Hitchcock (Psicose) e John Frankenheimer (Sob o Domínio do Mal). E por fim, mais uma vez ele, Orson Welles e seu odioso alcoolizado Hank Quinlan, em uma sublime atuação. Visivelmente acabado, se comparado ao galante Kane de sua obra-prima, Welles usufruiu de sua imagem, para compor com maestria, a figura do velho e corrupto beberrão homem da lei. Para mim, um dos grandes personagens do cinema norte-americano.
Assistir à "A Marca da Maldade" é um devaneio aos olhos de um cinéfilo, e uma aula de cinema para futuros cineastas. Desde sua estrutura narrativa, movimentação de câmeras, luz, cenário, trilha sonora e montagem (que por sinal foi reeditada algumas vezes). A segunda grande obra-prima dentre tantas, que só uma mente brilhante como Orson Welles poderia confeccionar.
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